Bratislava entrevista: ARTHUS FOCHI

Holga fala sobre a importância de fazermos registros das coisas que vivemos, seja uma viagem, um acontecimento, um show ou, simplesmente, o nosso dia-a-dia. Pra ampliar a discussão, a banda preparou uma série de entrevistas com pessoas que registram a vida de diferentes maneiras.

Foto: Layana Lossë




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Arthus Fochi é poeta e músico, nascido no Rio de Janeiro. Viajante, erra pelo mundo absorvendo as paisagens e experiências, escrevendo e cantando como meios de abertura, de relacionamento com as pessoas.

Bratislava - O que te inspira mais, uma viagem ou o dia-a-dia na cidade? Que tipo de coisa/situação te comove, te faz pegar o caderno pra rabiscar os versos?

ARTHUS - Acredito que são inspirações diferentes, vejo minha vida na cidade (aquela que tenho mais compromissos institucionais) como um preparativo à viagem (quase sempre sem roteiro fixo), e claro, matérias primas diferentes para cada obra. Consolido projetos, ideias, e costumo partir logo depois em busca de novas paisagens/experiências. Escrevo o simples entre o externo e o interno, qualquer coisa que me faça olhar e dialogar entre o que vivo e o que os outros vivem - viver o outro é uma forma de ser. Minha poesia é pouca sem empatia.

Bratislava - Em Afasia observa-se a rua, a casa, a praia, o cotidiano, o dia de hoje. Dá pra dizer que sua tarefa como poeta é registrar essas pequenas "eurecas" cotidianas? Qual é o propósito desse registro? 

ARTHUS - Acho que respondi essa na primeira pergunta (risos). Talvez a tarefa de todo poeta seja deixar um substrato linguístico, filosófico e social de seu tempo - se perguntar por ai, claro que as pretensões são muitas e diversas. Porém, o meu registro é terapêutico e despretensioso (se pensarmos na função da palavra como comunicação): quero gozar da palavra, criar e compartir sentidos, e desfrutar com a do outro.

Bratislava - Teu trabalho tá muito ligado à lingua espanhola. Ao ler uma poesia sua onde ambas as línguas convivem, como a que começa com "Vou à praia / limpar o cheiro / de tabaco e enxofre das mãos", é como se você trocasse a lente da sua câmera sem mudar de objeto ou cenário da foto, dando sequência à narrativa. Acha acurada a analogia? Qual é a função dessa "troca de lentes"? 

ARTHUS - Desfrutar com a do outro implica nisso, sentir a do outro, se permitir. Ao contrário, não quero trocar as lentes. A analogia tá boa, mas entendo que não há distância entre as línguas, ou só existe porque permitimos que exista (tratando-se do Português/Espanhol). É claro que se me colocarem um Polaco ao pé do ouvido, nada entenderei. A minha crítica é inerente ao meu estado de poeta quando escrevo, pois tratam-se de paisagens, histórias, e sociabilidades próximas, que comumente não encontram caminhos análogos - quando o que mais existe é semelhança. Atento, sendo bilíngue, ao fato dessas fronteiras/barreiras serem empecilho para o diálogo e construções mais coletivas entre a América hispânica e a América Portuguesa. Esta distância criadora de rivalidades é própria do senso comum. O próprio significado de Afasia faz alusão a este tema, mas apenas uma senhora (que comprou meu livro) uma vez traduziu como eu traduzo, e disse: "Muito bom, realmente, vivemos uma afasia." Entendo a violência como derivada da má comunicação, ou seja, acredito na comunicação e na irmandade de um Pan-americanismo cultural - como exemplo para outros continentes, lugares, planetas, etc... Como animais, os seres humanos têm as mesmas necessidades. Walt Whitman, como filosofia, é atualíssimo!

"Estranho que passa! você não sabe com quanta saudade eu lhe olho (...)
Você cresceu comigo, foi um menino comigo, ou uma menina comigo,
Eu comi com você e dormi com você(...)"



Bratislava - Você mantem no Soundcloud uma espécie de diário ou sketchbook musical, com gravações caseiras, idéias e versos fresquinhos, tudo registrado em casa mesmo. Qual é a importância pra você desse compartilhamento das idéias e obras não-concluídas, ainda sementes?

ARTHUS - Se eu tivesse condição de colocar algo mais produzido, também o colocaria. A vida do músico independente às vezes é frustante. Quem ai nunca teve de cachê umas garrafas de cerveja?  Estou trabalhando e coloco lá para divulgar. Depois de seis anos compondo e tocando, é bom ter um espaço para divulgar aos que te escutam e procuram, e guardar seu trabalho, mesmo que incipiente na produção. Mas tá lá, tudo sem maquiagem, e quem quiser pode ouvir. A internet é uma sorte, e essa plataforma é ótima até para compartilhar ensaios e idéias com os amigos para futuros arranjos. O que tá lá é completo, apesar de parecer faltar (risos), algumas dessas canções estão em discos que vendo quando faço apresentações.

Bratislava - Você tá envolvido em vários projetos musicais. Que novidade podemos aguardar aí pros próximos meses?

ARTHUS - Tomara que eu consiga concluir tudo até o final deste ano... Meu próximo livro chama-se "Poema Poeira", trata-se de um poema de noventa páginas com cocriação de capa e miolo dos artistas plásticos Caio César Chacal e André Anástacio... Já está quase pronto, falta fazermos a diagramação e estas finalizações tão importantes. O meu próximo disco chama-se "Êxodo urbano", tendo gravado as bases de violão e voz em Madri - convidado por Juan de la Fuente Alcón (procurem por Cuarteto Ombú, ele é o percussionista) - deve sair até o fim do ano. Outro trabalho é o primeiro disco (já em produção), depois de cinco anos de união, do grupo Senderos (música autoral e latino Americana). Pensando aqui, são esses três para este ano. Ah, em dezembro pretendo viajar com meu trabalho solo (divulgar os cds e livros - trabalhos consolidados), ir até o Chile com a rapaziada, passando pelo Sul, Uruguay e Argentina, vamos ver se não pintam outras inspirações! E vamos mantendo o contato pela Dutra, venham para cá, nós vamos para lá. Grande abraço para o Bratislava, e parabéns pela iniciativa!

Quer conhecer o trabalho do Arthus? Leia online o livro dele, Afasia, e ouça suas composições no Reverbnation, no Soundcloud e no Myspace. Ouça também seu trabalho Qué Dice el Frio, em parceria com Sascha Vue.

Não viu o clipe ainda? Veja aqui o clipe de HOLGA.